COMPOSTO NÃO PRESTA.
HILDA: 48 anos
NANDA: 20 anos
HILDA: Já disse que na minha casa não entra mais nome composto!
NANDA: Você vai adorar.
HILDA: É composto, eu posso sentir.
NANDA: Mas pra você pode ser Joca, mãe. Simples. Joca.
HILDA: Joca? E isso lá é nome?
NANDA: Apelido.
HILDA RESPIRA ALIVIADA.
NANDA: O nome é Jordânio Carlos.
HILDA LEVA A MÃO AO PEITO ESQUERDO E COMEÇA A SE ABANAR, TENSA. NANDA A ENCARA SEM SUSTO, COM OLHOS DE QUEM JÁ VIU A CENA ANTES.
HILDA: Ai. Ai, meu coração. Meu santo Benedito! Eu sabia, eu sabia! Lá vem outra praga.
NANDA: Você nem conhece o Joca, mãe.
HILDA: Mas conheço o histórico. João Fagner, Guilhermino Américo, Adalberto... Adalberto o que? Aquele que vivia me pedindo couve-flor.
NANDA: Xande.
HILDA: Adalberto Xande! Minha nossa senhora. O que leva uma mãe a dar um nome desses pro filho? Pior. O que leva a minha filha, minha princesinha, a se interessar por esses... esses...
TEMPO.
HILDA: Compostos. Já te avisei e você insiste no erro: Nome composto não presta.
NANDA: Mãe. Meu nome é composto.
HILDA: Mas você é a exceção que confirma a regra, Fernanda Maria.
NANDA: O joca é diferente. Especial. Dá uma chance, mãe. Você vai adorar.
HILDA RESPIRA FUNDO.
HILDA: Flanelinha? Pipoqueiro? Funkeiro?
NANDA: Empresário.
HILDA DESCONFIADA.
NANDA: Da Coca- Cola.
HILDA ABRE UM SORRISO.
NANDA: Empregado há trinta anos.
HILDA (comemorando): Empregado!
HILDA FICA SÉRIA.
HILDA: Há trinta anos? E quantos anos esse homem tem?
NANDA: Ah, mãe. Sei lá. Chato perguntar essas coisas, né? Não passa de cinquenta...e cinco. Mas com corpinho de quarenta.
HILDA SE JOGA NO SOFÁ DE COSTAS (engasgada, sua voz mal sai): cinquentão.
NANDA: Não era o que você vivia me dizendo? Encontrar alguém maduro, trabalhador. E ele trabalha o dia todo, não pára. homem de família. E, olha, vou te dizer uma coisa, mãe. Vamos ser uma família e tanto.
HILDA: Oi?
NANDA: Tô grávida. Um mês! Mas não se preocupa, tá? Ele já tá ajeitando os detalhes do casamento. Você vai adorar.
HILDA (tensa): Casamento? Filho, minha filha? Filho!
NANDA: E ele é tão romântico, mãe. Acredita que outro dia me entregou um buquê de rosas vermelhas? Vermelhas! Lembra que você reclamava que o Guilhermino Américo só me dava flor de plástico? O Joca me dá rosas, mãe.
HILDA TENSA. CAMINHA DE UMA LADO PARA O OUTRO DA SALA.
HILDA (repetindo para ela mesma): tá tudo bem. Tá tudo bem. Tá tudo bem.
NANDA: E ele é tão elegante, mãe. Bom gosto, sabe? Não usa regata, não liga para boné. E não tem nenhuma pochete, que eu já conferi.
HILDA SE JOGA NO SOFÁ. NANDA SENTA AO LADO DELA. HILDA PEGA A MÃO DA FILHA E A ENCARA NOS OLHOS.
HILDA: Ele é mesmo da Coca-Cola?
AS DUAS SE ENCARAM. TENSÃO.
NANDA: Ser ele é. Há trinta anos é chamado para distribuir os flyers da empresa.
HILDA: Flyers?
NANDA: Aqueles papésinhos, sabe? Propaganda.
HILDA ATÔNITA. NANDA RI. HILDA A ENCARA.
HILDA: Que foi? Ainda não acabou?
NANDA (entusiasmada): São gêmeos. Combo duplo, mãe!
HILDA PEGA UM LENCINHO, ASSOA O NARIZ E CHORA.
HILDA (chorando): que ótimo. (assoa o nariz). Eu tô muito (assoa o nariz) muito feliz. Já escolheu os nomes?
NANDA ABRE UM SORRISO DE ORELHA A ORELHA. HILDA QUASE CHORANDO.
NANDA: Você vai adorar.
FIM.
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