terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Coisas que a gente não diz

É que antes de pensar no mistério das estrelas e no sol que nascia por trás daquele morro. Morro que fazia tempos existia e quanta coisa já havia de ter visto. Com olhos calados de quem vê e não fala, guarda. Assim como eu. Quanta coisa feia e quanta beleza de vida guardadas em tamanha rochosidade. Que palavra engraçada, rochosidade.Mas as palavras não importam. O que importa é. O que importa mesmo? Lurdes diz que meu pensamento é remendado. Que pareço criança. Também criança eu já pensava no morro. E no caminho do pão dentro da gente. Logo o pão, feito de farinha e de calor, transformado em migalha, intestino adentro. E digerido e terminado em descarga, em esgoto, em um oceano qualquer. Oceano de água que evapora e vira chuva que molha o morro. E logo imaginava meu pão molhando meu morro. Lurdes me acharia louco. Coisas que nunca disse a ela. Nem a ninguém. É que. Que barbaridade! Essas coisas que a gente não diz e as coisas que a gente não vê. O que estou dizendo? Lurdes é quem tem razão: o importante é o finito. Digo que finito é tudo, mas ela não gosta. Lurdes gosta do finito de agora.  Do breve. A conta de luz, o extrato bancário, os calmantes da noite, uma boa piada, a mulher que se ama e a que um dia se amou. Essa última parte Lurdes não diz. Por onde andaria Pilar? Será que ainda vive? Ah, Pilar. Finitos sejam os teus seios! E o verde dos olhos de Maria Lúcia. E meus pensamentos também. Que Lurdes não me ouça. Ainda bem que se pensa calado. Como aquele morro, logo ali do outro lado, o morro de todos os dias que o prefeito quer por fim. Diz que é obra das grandes e que vai virar túnel e que vai dar acesso, muita gente, muito carro, muita fumaça. Muita fumaça por cima do morro. E então, também você, meu amigo, será finito. E breve, enfim. Lurdes já vai acordar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário