domingo, 19 de junho de 2016

tão frágil quanto

a folha que no exato segundo se desprende da amendoeira e no zigue-zague do vento nunca despenca mas pousa na superfície do paralelepípedo nem um milímetro a mais nem um a menos de onde ficou- até que não se fique mais.
até que o carro passe 
até que o passo apressado na Floriano Peixoto
até que a bengala do idoso de Copacabana
-tão frágil quanto a formiga que no azulejo azul e branco da cozinha carrega um despedaço da folha da amendoeira ventada pela bengala de Floriano Peixoto na orla de Copacabana em outubro de 1884-
a tire da inércia.
tão frágil quanto o tempo dos romances
-que até Graciliano tem sua última página
o tempo que começa antes do prefácio e continua até depois do fim limitado em areia e grão mas que nunca termina até que se quebre a ampulheta
tão frágil quanto a prisão
quanto o relógio cuco que não para que 
não para que não para que não para
até que se pare um dia
como o coração
como a puta que pariu um negro um pobre um infeliz tão frágil quanto
a dor do útero que se desfaz
a dor do corpo contraído
no chão
tão frágil quanto o alívio
da água corrente que de tão quente também seria dor se não aliviasse a dor maior
ar-dor
tão frágil quanto a palavra
quando se desfaz e nem sempre fica 
menor
ou melhor
ou menos brega
tal qual o amor
quando hiato
entre o sim e o não
entre você e eu
entre dois continentes
quantos oceanos?
a fronteira entre Minas e o Rio é uma ponte em Mauá tão frágil quanto
o silêncio antes do espirro o grito antes do espasmo minha imagem diante do espelho
no instante preciso em que o sol sumiu no horizonte e então se era dia agora não se é mais
tal qual o amor
tão frágil matemática quanto a fórmula de Bháskara
menos b mais ou menos a raiz quadrada não importa
a sequência de acasos que impedem o encontro entre duas pessoas que atravessam as ruas em sentido contrário e que não se encontram porque hão de se encontrar dali a três anos e cinquenta e dois minutos entre copos virados da madruga ou cafés da livraria ou 
não importa
porque só dali a três anos e cinquenta e dois minutos o encontro há de ser um encontro
tão frágil quanto a pele e a bala que na Guerra do Golfo
no Alemão
na Maré 
em Orlando
rasga o tecido e rompe as células e mata a frágil matéria de que são feitos os homens
de que são feitos os homens?
tão frágeis quanto os sonhos e o peso do teu corpo sobre o meu
tão fortes quanto as mulheres
de que são feitos os homens?

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