Hoje sonhei com minha vó Hilda. Mulher mineira, de mãos grandes e grossas de quem viveu a vida. Mulher guerreira, roceira, bruxa-cuca da cozinha: o melhor pão de queijo é dela - o melhor colo também. Quando a gente joga buraco, se ela lenta um pouco na rodada, me manda rápido na ponta da língua: "duvido você adivinhar do que eu lembrei agora". E na verdade ela não duvida nada. Porque é sempre a mesma lembrança: eu, criança-abusada, na beira da escada, ela leva um susto me diz pra eu me afastar, eu avanço milimetricamente e fico com os dedinhos pra fora do degrau. Cereja do bolo: viro pra trás e sorrio pra ela. Ela ama essa história. Nunca me disse nada, mas eu aposto que é porque ela sabe que é só a gente quem sabe dos próprios limites. Ou vai ver é só porque eu fui abusada mesmo, enfim. Hoje eu sonhei com ela.
Sonhei que ela me pegava pelo braço, me levava pra varanda da fazenda e me apontava o céu: nove luas cheias, brilhando de amarelas. Me bateu medo, essa sensação que dá diante das estranhezas que fascinam. Estranhezas que fascinam é o que a gente chama também de mistério. Dentre os mistérios que já presenciei -fora as montanhas que são de longe os mais escancarados- os maiores vi no céu. Estrelas de Teresópolis, arco íris em noite do Capão, chuvas de cadentes nas areias de Cabo Polônio e até a sombra de uma onça que cruzou a mata de Friburgo. Nove luas me assustam, dão medo e vontade de não fechar os olhos. Vontade de ir e de ficar. Esse tipo de coisa que também dá em gente. E quando acontece é feito milagre: uau. Gente que faz o coração disparar, que dá vontade de ir e de ficar, de manter os olhos abertos. Gente que a gente vai descobrindo, tirando a coberta aos pouquinhos e que até quando nu ainda é mistério, porque fascina.
As nove luas me fascinaram e dona Hilda, sábia que é, sabia. Eu não falei nada, e ela me respondeu sem que eu perguntasse. Que ainda que no medo, existe muita beleza.
E aquele céu era mesmo bonito de morrer.
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