A boca tremia de um movimento contrariado. Contra o grito, contra o vômito de palavras indigestas que mal desciam esôfago abaixo. Contra a sucessão de imagens e rostos passados que invadiam seu cérebro, involuntariamente e muito. Nas mãos, os comprimidos, eficazes bolinhas brancas, por onde ele entrava procurando a saída e de onde, e de novo, nascia a escuridão.
Cílios compridos, "cortinas da alma", era o que dizia, erguiam suas pálpebras revelando um azul muito claro onde as pupilas se perdiam e ele -mais- se encontrava. O corpo imóvel, estendido sobre uma cama de madeira frágil. Sobre o corpo, um lençol surrado que não cobria os pés gelados pelo vento de agosto. "Porra. A janela aberta". Ventava. E ele ventava também.
Ouvia uma forte tempestade que não era o chuvisco lá de fora, que não era de hoje, mas de um só dia, "porque a chuva nunca é igual". Uma tempestade de nuvens carregadas e de noite negra e de rede na praia e de amigos na rede que admiravam os raios e em silêncio engrandeciam os trovões.
- Que coisas?
- Que coisas o quê?
- Que coisas você tá pensando agora?
- A chuva nunca é igual. Ouve só.
- Hm. O que tá acontecendo, Raul? Você não vai encontrar emprego em comprimidos! A vida tá lá fora. E os médicos também. Devia sair dessa cama, procurar um psicólogo, fazer análise, entrar na natação, abrir um restaurante, qualquer coisa que te trouxesse de novo. Devia era...
A voz feminina e aguda continua a soar, mas as palavras são inaudíveis, abafadas por trovões, cada vez mais fortes. Da grande janela, uma luz vazada de dia branco ilumina o quarto e torna ainda menor as pupilas perdidas. A mulher, de pele tom -quase-pálido, se levanta da poltrona ao lado da cama e, num só movimento, fecha as cortinas. Como um reflexo, nele fecham-se os olhos.
-A chuva nunca é igual, já percebeu? Ouve só esse barulho...Ele nunca mais volta igual pra você.
O rosto jovem, a graça do sotaque. Os cabelos compridos ("parece índia!"), aquela que sorria com os olhos sorri.
Ele, mais cabelo e menos barriga, pula da rede estendida na varanda, corre para a areia. A existência cede espaço à vida, que se sente pé pós pé, passo pós passo, deixados nas pegadas sobre os grãos empapados de água do mar vinda do céu.
-VEM! Vem sentir! Estão chovendo os segundos! Choveu um, choveu dois, ó outro ali...Eles não param!
Da varanda, três amigos riem e brindam a tempestade. Ela, índia dele, não dispensava a chuva e nunca fechava as cortinas. Dança da chuva, dele e dela. Dança do tempo. Pulo e giro e grito e beijo e ela se molhando de segundos que nunca mais voltariam para ele.
Cílios compridos, "cortinas da alma", era o que dizia, erguiam suas pálpebras revelando um azul muito claro onde as pupilas se perdiam e ele -mais- se encontrava. O corpo imóvel, estendido sobre uma cama de madeira frágil. Sobre o corpo, um lençol surrado que não cobria os pés gelados pelo vento de agosto. "Porra. A janela aberta". Ventava. E ele ventava também.
Ouvia uma forte tempestade que não era o chuvisco lá de fora, que não era de hoje, mas de um só dia, "porque a chuva nunca é igual". Uma tempestade de nuvens carregadas e de noite negra e de rede na praia e de amigos na rede que admiravam os raios e em silêncio engrandeciam os trovões.
- Que coisas?
- Que coisas o quê?
- Que coisas você tá pensando agora?
- A chuva nunca é igual. Ouve só.
- Hm. O que tá acontecendo, Raul? Você não vai encontrar emprego em comprimidos! A vida tá lá fora. E os médicos também. Devia sair dessa cama, procurar um psicólogo, fazer análise, entrar na natação, abrir um restaurante, qualquer coisa que te trouxesse de novo. Devia era...
A voz feminina e aguda continua a soar, mas as palavras são inaudíveis, abafadas por trovões, cada vez mais fortes. Da grande janela, uma luz vazada de dia branco ilumina o quarto e torna ainda menor as pupilas perdidas. A mulher, de pele tom -quase-pálido, se levanta da poltrona ao lado da cama e, num só movimento, fecha as cortinas. Como um reflexo, nele fecham-se os olhos.
-A chuva nunca é igual, já percebeu? Ouve só esse barulho...Ele nunca mais volta igual pra você.
O rosto jovem, a graça do sotaque. Os cabelos compridos ("parece índia!"), aquela que sorria com os olhos sorri.
Ele, mais cabelo e menos barriga, pula da rede estendida na varanda, corre para a areia. A existência cede espaço à vida, que se sente pé pós pé, passo pós passo, deixados nas pegadas sobre os grãos empapados de água do mar vinda do céu.
-VEM! Vem sentir! Estão chovendo os segundos! Choveu um, choveu dois, ó outro ali...Eles não param!
Da varanda, três amigos riem e brindam a tempestade. Ela, índia dele, não dispensava a chuva e nunca fechava as cortinas. Dança da chuva, dele e dela. Dança do tempo. Pulo e giro e grito e beijo e ela se molhando de segundos que nunca mais voltariam para ele.
São demais os perigos desta vida
ResponderExcluirPara quem tem paixão, principalmente
Quando uma lua surge de repente
E se deixa no céu, como esquecida.
E se ao luar que atua desvairado
Vem se unir uma música qualquer
Aí então é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher.
Deve andar perto uma mulher que é feita
De música, luar e sentimento
E que a vida não quer, de tão perfeita.
Uma mulher que é como a própria Lua:
Tão linda que só espalha sofrimento
Tão cheia de pudor que vive nua