-Os menino! Vem comê!
Zuza, boa zuza. O grito ecoante dispensava relógios pra'quela gente. Céu de azul imensidão, sem rastros das manchas brancas, sumia em meio à copa de folhas verdes quando vistos pelos olhos de Calú, estirada no tronco daquele pé de manga.
Cada um dos quatro netos tinha seu próprio tronco, escolhidos sem democracia e sem contestação, critérios básicos da "Lei Calú". A lei fora criada por Calú, no seu sexto aniversário, oito anos atrás, e tinha como primordial o respeito à decisão da natureza, que escolhera Calú como primeira neta e, portanto, detentora das primeiras escolhas: Desde troncos de árvores à pedaços de bolo. Nada mais justo.
Descer do pé de manga era como retornar à realidade. Pés no chão, a caminho da casa grande, em direção ao burburinho de gente reunida na varanda de trás da fazenda. A vó Hilda de certo estaria lá, inquieta, inventando ocupações que agitassem a mesmice daquela paz.
-Zuza!
-...
Zuza!
-...
- Ô ZUZA!
Uma voz baixinha, que quase pedia para não sair, respondia com doçura:
- To indo, don'Hilda!
Zuza explicara uma vez, com justificativa certeira, o porque de nunca atender ao primeiro chamado de dona Hilda. Nada pessoal. Só respondia aos chamados, de quem quer que fosse, a partir da terceira vez. As duas primeiras podiam ser assombração tentando o espírito da devota, vai saber. Desde que ouviram tal explicação, Junico e Luca idealizaram um êxito em suas histórias de terror, até então resumidas em tentativas fracassadas de assustar dudu.
- Cade os meninos? Avisa que tá na mesa e que purê frio não alimenta igual.
- Sim senhora.
"OS MENINO! VEM COME!"
O segundo chamado da realidade não podia ser ignorado. E agora sim: Calú, pés no chão, a caminho da casa grande. "Tomara tivesse purê".
Calú sabia aproveitar o bom da vida, e sabia que o gosto de prazer não podia ser eterno. Nada é. Nem mesmo o purê de Zuza. E acelerou o passo, correndo contra o vento, sujando os pés descalços naquela terra vermelha.
Zuza não tem blog, nem sequer acessa internet, mas adoraria saber que foi tema de um texto tão inspirado.
ResponderExcluirAdorei. Bjs
Não que fuja da sua realidade poética, mas esse texto - especialmente - é muito leve e belíssimo. Sensasional, de verdade.
ResponderExcluirObrigada, Beto! Suas palavrinhas são sempre relevantes pra mim :)
ResponderExcluirVocê se supera (e me surpreende) a cada dia mais.
ResponderExcluirSimplesmente, real. Demais...
Bruno.
Arraassou!!!
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