sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Areia

eu nunca... nunca!... nunca na minha vida fique tão

tão... eu nunca caí

tão fundo

nunca derrubei a casa dessa forma com tanta vontade e falta

(de vontade

tão contrariada porque quando a casa cai, 

cai junto tanta coisa

caem os pratos, os livros, caem os espelhos, as paredes começam

a se desfazer

e coisas minúsculas caem também


coisas que você nem vai mais de tanto olhar pra elas... sabe?

como as conchinhas.  aquelas conchinhas trazidas dos dias de mar. 

aquelas conchinhas, tão bonitinhas, que o vento esculpiu minuciosamente

sabe-se lá durante quantas pencas de anos


conchinhas de todas as cores onde eu via rostos eu via

verdadeiros desenhos, formas mesmo, sabe

eu via nas conchinhas, casas inteiras

um pé de alface verdinho, uma horta, não, não... uma agro-floresta! eu via A floresta

da Amazônia e tudo respirando


um mundo inteiro vivo eu via nas conchinhas como algumas pessoas vêem nas nuvens

isso tem um nome

não é uma doença!

é uma ca-pa-ci-da-de

uma capacidade de abstração: focar e desfocar


poder olhar pra uma coisa e projetar outra.

sabe como é?

a capacidade de ter o futuro dentro dos olhos


fora dos olhos, 

caindo sob meus pés,

as conchinhas voltam a ser areia

depois de tanto tempo

as conchinhas voltam a sua condição primeira: minúsculos grãos de areia


areia, areia... areiaareiaareia. areia por todos os lados areia

caindo pelo teto

areia entrando pelas janelas

areia areia areia

areia soterrando tudo

como uma ampuleta que, decidida a interromper a contagem do tempo, quebra:

ela diz:


chega, podemos parar por aqui.



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