terça-feira, 11 de agosto de 2015

Copos-de-leite

É de dia e noite que se faz a morte dos copos de leite. De milímetro em milímetro, de um em um até chegar a mil e depois seguir em frente -que o fim, tal como o começo, é sempre uma questão de costume. Malditos sejam os costumes. tua mania de acordar bichinho, a língua entre os dentes para pronunciar algumas palavras ou o riso. o teu riso e os teus cigarros, afinal, é verdade o que dizem, amor e ódio moram lado a lado. Maldita obviedade que nos murcha e em estado de dormência se faz tempo. Nas pétalas dos copos de leite, o tempo é amarelo. De um amarelo sem graça feito as piadas do teu tio. Tudo que não têm fôlego, morre -como quem se rende aos poucos à beleza das coisas vivas. E não sei bem, mas me arrisco, é pela beira que o fim começa. Pela beira e pelo cheiro - que o cheiro sempre nos disse muito sobre a vida de todas as coisas. E olha que o seu nunca precisou ser o mesmo para que eu soubesse que não podia nunca ser nenhuma outra pessoa no mundo a entrar pela minha porta. É pela beira que a gente começa. É pela beira que se come a canja que de tão quente virou memória nas minhas papilas gustativas. E por falar em calor, os dias nunca foram tão infinitos quanto aquelas tardes. E por falar em memória, a gente sempre esquece. Os copos de leite tem qualquer coisa do frio das manhãs geladas que embaçavam as vidraças onde meu dedo brincava de lápis e os teus eu nem sonhava em encontrar um dia. As toras de madeira me mostravam um homem sendo engolido por uma baleia que, esquece, ninguém nunca viu. E essa mania de falar em passado, raios, continua a me tirar do sério. É que do futuro eu nada domino, mas se daqui a dois séculos ou 48 horas, teu corpo cruzar pelo meu, como a Presidente Vargas e a Rio Branco às seis da tarde de uma segunda feira, e se, não mais pela beira, mas no meio do caos sublime de todo o excesso que passa, teus gigantes olhos castanhos reconhecerem meus olhinhos miúdos e as coisas que em mim nunca apodrecem, daí  talvez o futuro faça algum sentido.

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