- Cara, não foi assim. Não foi assim que eu percebi tudo. A questão é que crescemos acreditando em amor isso, amor aquilo, que merda de amor é esse que une duas pessoas a ponto de abandonarmos o infinito de pessoas no resto de todo o mundo? E por que? Por que essa necessidade de ter uma única pessoa ao lado para o resto da vida?
- Necessidade? Amor é necessidade agora? Palavras dignas de um machista nato. Necessidade é respirar, dormir e evacuar.
- Evacuar? Palavra digna de uma romântica insólita.
- Insólita, Bernardo?
- Engraçado, apostei que o "romântica" te incomodaria mais que o "insólita". Vai dizer que não? Você é completamente inabitual, Isa.
- Inabitual é um bom adjetivo. Insólita também seria, se não tivesse a carga de sarcasmo nada inabitual a você.
- E romântica?
- O romantismo hoje é não dizer ''cagar''? Que merda.
Os dois amigos se olharam com um olhar complacente, que só poderia ser compreendido assim, daqueles que não cabem ambiguidade ou mais reflexões. Tolerando com os olhos o que não seria retificado com risadas.
- O que eu quero dizer, Isa, é que o romantismo e o amor são duas coisas diferentes. Nunca duvidei do romantismo, pelo contrário, sou favorável a ele. É um rastro real do amor, porque não é mascarado. Todo mundo sabe que o romantismo é construído, e ninguém questiona isso. O que me incomoda é a naturalidade que as pessoas conferem ao amor.
- Você fala como que se o amor fosse uma lei. Um golpe de estado. Um truque de Adam Smith para reforçar o capitalismo. E o amor é tão óbvio, só não enxerga quem não quer. É simples: Se eu amo, eu quero estar junto, e isso não é imposto por nenhuma força oculta da sociedade, simplesmente se sente. Óbvio demais para ser inventado.
- O clipe é só uma presilha com função de mola para prender folhas e papéis. Bem simples, bem inventado.
- Nossa! Que comparação mais infeliz.
- Não, não é não. Aliás é BEM feliz, porque o amor também tem a função de prender pessoas. Caralho! Nunca tinha chegado a uma metáfora tão real: O amor é um clipe.
- Eu não tô ouvindo isso. E as pessoas são papéis, né?
- Pelo menos os representam o tempo todo. Os mais voláteis papéis.
- É, Bê. Você agora, por exemplo, tá assumindo o papel do "revolucionário dos trocadilhos".
- Viu só como concordamos? Eu não sou com a minha mãe o que eu sou com você e nem sou com você o que sou com meu chefe, ou com meu vizinho. Quando compro pão e mortadela toda manhã, o "bom dia" que desejo ao padeiro é o mais ordinário papel que assumo. Qual é o seu mais trivial papel?
- Talvez o da romântica insólita. E talvez por isso você não tenha se apaixonado por mim. Quem sabe? Jogar o seu jogo é tão fácil, Bernardo Campos. O amor não existe. Assim como a moda, como os vícios, como o mais reles dos papéis. É tudo tão bem articulado que não pode ser construído por nenhum ser humano. Tolo é amor? Tolo é você que confere a alguém a capacidade de inventar o que não existe. E se não existe nada, por que continuar vivendo? Vamos nos entregar e abdicar da vida, como o clipe que não prende bem e vai para lata do lixo. O meu palpite é esse: Basta acreditar que o clipe é um clipe para que ele exista para sempre.
- Isadora Reis, eu amo você.
hahahahaha, te reconheci em algum momento por aí hein.
ResponderExcluirMuito bom!
'Cê escreve demais, meu bem.
ResponderExcluirMaravilha de conversa!
E se for tudo uma questão de fé? O amor existe porque se acredita nele. Ou não.
ResponderExcluirIsso rende um peça....
beijos
Escrever mais e mais. É preciso. É necessário. É urgente!!!!! Ler seus textos é mais do que prazer: é respirar, é inspirar-se.
ResponderExcluirPor favor, quero mais!!!!!!!!